Logo que Ainda Estou Aqui estreou no Festival de Veneza, um dos principais eventos termómetros da temporada do Oscar, a internet no Brasil já começou a se manifestar seja com partilhas das imagens do filme sendo aplaudido durante 10 minutos no festival , ou com o trailer arrasador já tínhamos um pretendente para as listas de premiações que estariam por vir no inicio de Janeiro do ano seguinte.
Confesso que uma das minhas primeiras preocupações foi se o resto do mundo iria se comover tanto como o publico brasileiro por já conhecer o enredo e toda a tragedia que envolve a família Paiva , até me lembrar que a dor é um sentimento universal e a historia ser realmente impactante.
Ainda estou aqui é uma poderosa recriação da experiência de Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva ex deputado federal, desaparecido durante a ditadura militar brasileira de 1971. Em que é obrigada a se reinventar e a traçar um novo destino para si e os filhos depois que a vida de sua família é impactada por este ato violento e arbitrário. Dirigido por Walter Salles (Central do Brasil , Diários de Motocicleta) e estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello o filme tem o roteiro baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva filho de Eunice e Rubens Paiva.
Com uma sutileza abissal Walter consegue contar uma historia extremamente violenta sem demonstrar um pingo de violência a não ser a própria violência psicológica que envolve toda a situação, a forma que ele consegue demonstrar o desespero silencioso de Eunice é apavorante, a narrativa e a atmosfera do filme é agonizante e impossível não se sentir tenso na maioria do tempo de duração do filme. Já Fernanda Torres é um destaque absoluto com uma atuação gigantesca , consegue passar a luta de uma mulher com extrema resiliência que transforma toda a dor em luta, sua indicação ao Oscar de melhor atriz e sua premiação ao Golden Globe de melhor atriz é mais do que merecido.
O filme também enfatiza a luta pela memória e justiça, uma vez que a impunidade dos torturadores e assassinos de Rubens Paiva e tantos outros brasileiros permanece, alimentando um legado de violência ainda visível na política atual.
O cinema é um sempre foi uma grande porta de entrada para tratar de assuntos delicados, espinhosos e tem o dever de ser um mediador fundamental para nesse caso nos lembrar algo que jamais deve ser esquecido , o poder repressivo sobre uma família de classe media comum e como isso deixa uma marca brutal na vida das pessoas até o ultimo bater do coração